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Espírito tradicional, conservadorismo e progressismo



«Yo voy comprendiendo que cada vez hay menos que conservar, porque como la tradición ha sido volada, hoy lo que queda es la antitradición, y la antitradición merece poca conservación, frente a lo que creen los conservadores, en cambio, requiere mucha reacción. Esto me recuerda el lema de un ilustre peruano, Don José de la Riva Agüero que decía: "Yo no soy conservador, reaccionario sí". Y le preguntaban, "¡Pero hombre! ¿Cómo puede usted decir eso?" Y respondía: "¿Conservar? ¿Usted cree que hay algo que conservar de todo esto? ¿No ve contra lo que hay que reaccionar?.»

—Miguel Ayuso




A ideia liberal-conservadora e mesmo certo conservadorismo, principalmente o de matriz britânica e norte-americana, são, de um modo geral, esquemas insuficientes para captar a verdadeira posição de caráter tradicional, antimoderna e clássica. Digo isto, pois, foi essencialmente o pensamento marxista e a mentalidade secularista moderna, que, grosso modo, substituiu os critérios da verdade e da falsidade de uma ideia ou postura, como também de tudo o que ocorre no mundo político, social e moral, pela estrutura dialética progressismo versus conservadorismo. Pergunto: não representaria o arranjo progresso x conservação uma aceitação e subordinação às filosofias racionalistas da história e da sociedade nascidas a partir da cosmovisão ilustrada?


Sob certo aspecto, o conservadorismo liberal é uma forma de atitude política de moderação da ilustração, sendo assim, uma “oposição interna à modernidade”, que, portanto, não busca transcender e superar as concepções antropológicas, sociológicas e políticas modernas, mas unicamente conter e debilitar os aspectos radicais e revolucionários do projeto iluminista e a sua intensificação desintegradora na pós-modernidade. Lembro que o historiador Jonathan Israel no importante livro A Revolução das Luzes, caracteriza o pensamento social de Edmund Burke, pai fundador do conservadorismo, como um tipo de iluminismo moderado e gradualista de inspiração cética e empirista, contrapondo-o assim ao racionalismo construtivista do iluminismo radical. Possui esta linhagem de ideias e práticas uma orientação política pragmática que, em muitas ocasiões históricas concretas, explicita-se na famosa estratégia do “mal menor”.


Outro ponto de divergência entre o pensamento clássico e o conservadorismo de Burke refere-se à gênese, ao fundamento e ao caráter da boa ordem política e social. Conforme explica Leo Strauss na obra Direito natural e história, para Edmund Burke a boa ordem política é, em ultima análise, o resultado imprevisto da causalidade acidental. Deste modo, o pensador britânico “aplicou à produção da boa ordem política aquilo que a economia política moderna ensinara sobre a produção da prosperidade pública: o bem comum é o produto das atividades que não são ordenadas por si mesmas para o bem comum. Burke aceitou o princípio da economia política moderna, que é diametralmente oposto ao princípio clássico: ‘o amor do lucro, esse princípio [...] natural, razoável’, é a grande causa da prosperidade em todos os Estados’.” Aqui Strauss faz uma citação direta de Burke. Ainda acrescentaria que esta visão contraria a tradição política católica, herdeira da concepção clássica greco-romana sobre o homem, a sociedade e a vida moral.


Em suma, o conservadorismo configura um tipo de reação parcial aos excessos do racionalismo e do igualitarismo. É este uma corrente política que brota e se desenvolve no seio da própria modernidade e não contra a modernidade. De algum modo, procura “conservar” os principais fundamentais da modernidade como o capitalismo liberal, o individualismo, a democracia partidocrática e o Estado laico mesclando-os com determinados aspectos e valores do mundo pré-moderno.

Ademais, importa sublinhar que espírito tradicional, conservadorismo e direita política são fenômenos distintos, não obstante certas similitudes secundárias, contingentes e acessórias.


O espírito tradicional apresenta uma dimensão essencialmente metapolítica e metahistórica, caracterizando-se pela descoberta e afirmação de verdades eternas, universais e necessárias, que permitem aos indivíduos e coletividades viver, até certo ponto, o eterno no tempo. Verdades eternas, imutáveis e universais que, portanto, podem ser transmitidas (Tradição do latim tradere) de geração e geração e que, dentre outros pontos importantes, são o fundamento de uma cultura sã e equilibrada centrada no cultivo da alma e no culto litúrgico. O espírito tradicional é impensável e inconcebível fora de uma base teológica e metafísica, pois se ancora em uma metafísica do ser de origem grega e de uma teologia cristã trinitária e teândrica.


A relação disto com a mera veneração retórica e ornamental de determinado passado histórico, ou mesmo com a defesa da ordem política liberal, burguesa e capitalista, e com formas exclusivamente reativas de anticomunismo é unicamente aparente. Anticomunismo enragé que, em muitas situações, acaba por abraçar de maneira entusiástica o american way of life, isto é, o modelo social, político e cultural pluralista, secular, consumista e de livre-mercado da poderosa nação do norte. Modelo este que, indubitavelmente, encarna a outra face do materialismo moderno. Em termos antropológicos, sociológicos e metafísicos as similitudes entre o americanismo e o comunismo são imensas. Mas isto é assunto para outro artigo.


Desde uma perspectiva clássica e católica existe a necessidade de conciliar a renovação com a conservação, superando a antítese conservadorismo e progressismo, como assinala o filósofo italiano Michele Federico Sciacca “Basta ser integralmente cristão para transformar qualquer situação, para recriar conservando e conservar renovando. Isso explica porque uma consciência autenticamente cristã não pode colocar-se numa posição de ruptura nem frente à tradição, como faz a revolução, nem frente ao progresso, como faz o conservadorismo. [...] adota a posição justa de conservar renovando e de renovar conservando, que é dialética ou a relação que une tradição e progresso, porque não há progresso verdadeiro e construtivo sem tradição e não há tradição viva e operante sem progresso; [...]”. Resumindo em outras palavras, a Tradição tem um caráter essencialmente vivo, dinâmico e ordenador.

Diante do aqui exposto, entendo que a decisiva e verdadeira batalha não é entre conservação versus progressismo, mas entre o espírito tradicional e a mentalidade moderna.



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