Cesar Ranquetat Jr
Em seu afã de desmitificar e criticar as instituições e práticas patriarcais e “heteronormativas” as feministas radicais acabam por cometer o equívoco de substancializar estes mecanismos sociais. Caem numa contradição: pretendem simultaneamente descontruir o sexo biológico, um dado da natureza, e, por outro lado, transformar em essências imutáveis com características fixas, valores e instituições sociais construídas historicamente como a pátria, a família monogâmica, o matrimônio, a heterossexualidade e a religião, vistas como encarnações da opressão e dominação masculina.
Congelam numa visão estereotipada estas forças sociais, como se fossem sempre estruturas repressoras e coercitivas, como se reiteradamente e em todos os casos e situações, e em todas as etapas da história tais práticas e instituições portassem essas características. Essa forma de pensamento essencialista percebe o “patriarcado” e o próprio homem como dotado de inerentes tendências à violência, à agressão e à dominação, mas, ao mesmo tempo, nega os dados mais elementares de ordem natural e biológica afirmando que o masculino e o feminino são apenas papéis sociais, construções culturais. Conseguem fazer, deste modo, um casamento inimaginável composto por elementos desconstrucionistas, construtivistas e essencialistas. Desconstroem a natureza que lhes incomoda, e substancializam e naturalizam instituições e valores quando convém à estratégia política revolucionária. Em suma, opressão, violência, agressão e repressão não são de forma alguma qualidades e características intrínsecas e naturais da família monogâmica patriarcal, da religião cristã e das nações que constituem o mundo ocidental. Além disso, é preciso também entender com mais cuidado o sentido destes termos opressão e repressão na gramática feminista radical. Em boa parte dos casos, nada mais são que formas necessárias e positivas de disciplina, autocontrole e respeito às normas e autoridades, mas, isto é outra história. A verdadeira virilidade não pode ser confundida com a vulgaridade e a brutalidade, assim como o legítimo patriarcado não tem relação alguma com a mera dominação, exploração e o chamado "falocentrismo". Estas tendências negativas e destrutivas são, evidentemente, formas degradadas e distorcidas da visão tradicional acerca do que é realmente o elemento viril e do que caracteriza as formas patriarcais que, diga-se de passagem, sempre acompanharam as grandes civilizações.
Na realidade, cabe enfatizar que, apesar de toda propaganda ideológica e doutrinação, o feminismo radical e a teoria de gênero é que são uma construção cultural artificial e arbitrária, e não a distinção entre o masculino e o feminino. Intenciona-se com estas ideias uma mutação antropológica, com a finalidade de libertar o indivíduo, homem ou mulher, da ordem natural e simbólica, das tradições culturais e dos padrões e condicionamentos sociais sedimentados. Neste ponto mora um grave perigo. Segunda a filósofa francesa Bérénice Levet, o mundo humano apresenta-se a nós através de sinais elaborados pelas gerações que nos antecederam, e nesse sentido as categorias do masculino e do feminino formam uma bússola indispensável. A condição sexuada do homem e da mulher são elementos essenciais da condição humana e um dado primeiro da percepção de si e outros na realidade social.
Como mostrou a antropóloga Margaret Mead, a ordem sexual que estrutura nossas culturas em categorias binárias servem para ordenar a nossa percepção e o nosso próprio pensamento. É do contraste e da dualidade sexual e corporal entre o masculino e o feminino que os seres humanos formam analogias relativas ao sol, à lua, à noite e o dia, à força e à vulnerabilidade. Um conjunto de noções que extraímos do real, conforme Mead, são em última instância fundadas em referências ao masculino e ao feminino como (quente/frio), (duro/mole), (ativo/passivo), (público/ privado). Estes aspectos simbólicos revelam a universalidade de uma ordem social sexuada e sua importância essencial na constituição de nossa consciência e na configuração da cultura.
Ora, ninguém em sã consciência pode aceitar qualquer tipo de violência física e psicológica contra as mulheres. São estas atitudes bárbaras, imorais e criminosas. É necessário defender o direito das mulheres a uma vida plena e digna. Entretanto, não podemos confundir a defesa das mulheres e do eterno feminino com o feminismo radical. Este é evidentemente um movimento político e ideológico com pretensões totalizantes e ambições de poder. Trata-se, evidentemente, de um mecanismo de engenharia social que visa transformar radicalmente as mentalidades, sensibilidade e a própria linguagem. Estigmatizando, injuriando e censurando quem não comunga deste aparato ideológico. É curioso notar que uma das mais destacadas expoentes da teoria feminista, a escritora francesa Monique Wittig, preconiza pelo fim da “violência das designações”, a fim de banir de nosso vocabulário as noções de homem e mulher, vista como comprometidas com as normas “heterossexuais”. Atualmente, seguindo este tipo de ensinamento, as creches suecas eliminaram o uso dos pronomes masculinos e femininos ele e ela por um neutro “hen” no trato com as crianças.
O fato é que o feminismo radical não faz parte da atitude e do comportamento feminino verdadeiro e espontâneo, mas é uma construção artificial, estimulada por organizações supranacionais e bilionárias fundações internacionais que, infelizmente, tornou-se hoje uma espécie de nova religião secular com o aval do Estado moderno. Ele está por toda parte, é onipresente e poderoso, colonizando e saturando mentalmente parte importante dos espaços públicos e privados.
Acredito que, no fundo, a grande maioria das mulheres não compram em sua totalidade este combo ideológico. Minha mãe não é feminista, minha esposa não é feminista, minhas melhores amigas não são feministas, minha sogra não é feminista, minhas avós paterna e materna não foram feministas. Esta é uma ideia da moda e de certa elite cultural e econômica influenciada por refinadas e extravagantes teorias pseudocientíficas como o gender studies, liderada por figuras não menos exóticas como Judith Butler e outras sumidades. A noção de que, na atualidade, toda verdadeira mulher deva ser necessariamente feminista é uma imposição coercitiva e normativa, e um dispositivo de pressão psicológica. Por que as mulheres têm que seguir este roteiro mágico?
Como humanista não posso aceitar uma plataforma política e ideológica que, em resumo, parte da falsa premissa de um diferencialismo ontológico irredutível entre o homem e a mulher. Tal doutrina destrói a realidade fundamental da complementaridade e solidariedade entre os sexos e, sobretudo, elimina a ideia axial da unidade essencial da natureza humana.
Ademais, o feminismo radical alimenta a desconfiança e a disputa entre os sexos, enfraquecendo a instituição familiar; desfigurando a realidade da mulher como mãe e esposa e alimentando um certo rancor e ressentimento em relação ao homem. Não é possível fundar uma convivência humana harmoniosa e uma comunidade ordenada com base nestes frágeis e enganosos pressupostos.
O mundo não será como pretende certo feminismo radical. A polaridade simbólica e metafísica do masculino e do feminino é mais forte que qualquer construção cultural passageira. O eterno masculino e o eterno feminino brilham no céu e se enraízam na terra e em nossos corpos. Isto é obra de Deus e da Natureza, e não de intelectuais iluminados que querem borrar a ordem cósmica.
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