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Writer's pictureCesar Ranquetat

Breve crítica do capitalismo liberal

Cesar Ranquetat Jr




A violação e transgressão da ordem natural, dos princípios éticos fundamentais e universais, assim como a degradação da dignidade da pessoa humana não se restringem ao campo da moral privada, da cultura e dos costumes.


Existe também uma desordem e injustiça de base material, social e econômica alimentada pelo mercado sem freios e pelo capitalismo liberal que busca desvincular-se de qualquer critério ético, religioso e político em nome de lucros infinitos e de uma extensão global ilimitada.


Um sistema econômico e social injusto e violador das leis naturais, inteiramente baseado na exploração laboral, na destruição dos direitos sociais, no crescimento anômalo do capital especulativo e financeiro, na busca compulsiva pelo lucro, no afã de acumulação material infinita, na competição desleal, na ostentação narcisista, no individualismo possessivo e no estímulo das paixões desordenadas por meio dos dispositivos sedutores do mercado e da publicidade precisa ser combatido com vigor e clareza.


Vale ressaltar: o capitalismo é indissociável do liberalismo. Este é uma doutrina política e uma prática social que se funda no individualismo e no subjetivismo. Como explica o cientista político Guillaume Bernard, esta ideologia moderna elimina a questão da verdade e recusa-se em subordinar o homem a uma regra ou ordem que lhe seja exterior ou superior. Neste sentido, é o indivíduo que, de acordo com seus gostos e motivações, determina o que é o bem; não existindo valores objetivos, mas unicamente consensos que resultam do mero encontro circunstancial e temporário de vontades. Deste modo, os vícios privados são transformados em virtudes públicas; a livre realização dos egoísmos será a raiz e condição necessária para a realização do interesse geral. A vida de cada indivíduo é reduzida a uma inexorável busca da maximização de prazeres; é na satisfação dos desejos e não na capacidade controlá-los que os homens alcançam a sua liberdade pessoal unicamente limitada pela liberdade do outro.


Com base nisto, faço aqui uma breve digressão acerca dos vínculos do individualismo liberal com seu suposto adversário, o socialismo marxismo, com a finalidade de ampliar o debate sobre estes importantes temas e suscitar a reflexão. Entendo que a antítese entre individualismo liberal e coletivismo massificado e estatizante é apenas aparente. O mesmo vale, em certa medida, para a dualidade capitalismo liberal e capitalismo de Estado, leia-se comunismo. Seria o comunismo uma verdadeira alternativa ao capitalismo liberal, ou a sua exasperação e conclusão definitiva? Não podemos esquecer que Marx e Trotsky, assim como outros teóricos marxistas, afirmavam que o mundo burguês, liberal e capitalista seria um meio importantíssimo, ou melhor, uma etapa necessária de passagem para o socialismo e depois para o comunismo internacional. Não há como negar: o cosmopolitismo capitalista favorece o internacionalismo marxista.


Mais do que uma oposição real entre estas duas posturas, o que existe de fato é uma relação de causa e efeito. O indivíduo "liberado", sem laços e pontos de apoio, transformado em simples átomo, é facilmente massificado e moldável como uma argila. Um amontoado de átomos em choque se diluem em uma pasta informe e sem rosto. Ao exaltar o indivíduo, os seus direitos subjetivos e suas liberdades, o liberalismo obscurece as noções de pessoa e personalidade e o conjunto de relações orgânicas e hierárquicas que existem em uma sociedade normal.


O fato antropológico indubitável é este: de uma comunidade articulada e centrada no sagrado e nas noções de obrigações sociais e de deveres religiosos chegamos ao caos de uma dissociedade profana e secular de direitos infinitos e liberdades libertinas. Desta confusão anarquizante para o totalitarismo é um passo.


Retorno ao ponto principal deste artigo. O jurista Alvaro D’Ors, destacado pensador da escola do tradicionalismo político ibérico, ressalta o aspecto imoral e anticristão do sistema capitalista. Para ele, o capitalismo, cuja consequência é o consumismo, o que faz é aumentar os vícios, aumentando as riquezas; isto é, tende a aumentar as riquezas para os vícios, para o prazer. Este fomentar dos vícios e do consumismo são elementos centrais na dinâmica de desenvolvimento e manutenção deste sistema econômico. Com base em Aristóteles, o jurista espanhol distingue a economia da crematística. A primeira é, em resumo, a administração razoável dos bens que são necessários para a vida; é, conforme indica em sua etimologia o termo oikos, algo familiar e doméstico e, por esta razão, Aristóteles relaciona a economia com o matrimônio e o cuidado da casa. Por sua vez, a crematística é a arte de enriquecer sem limites. É uma forma de aquisição e de acúmulo ilimitado. Atualmente, a crematística, enquanto ciência e prática do enriquecimento progressivo sem limites, predomina nas economias de boa parte do mundo. Segundo Aristóteles, a sã economia significa a produção e administração de bens para satisfazer as necessidades naturais dos indivíduos e das comunidades, e não a produção de bens e mais bens e aumentar indefinidamente as riquezas. Em suma, para o pensador tradicionalista hispânico a produção deve ser contida, ao contrário do que afirma o capitalismo que se fundamenta no ilimitado, pois o lucro incessante requer produção incessante.


O filósofo italiano Diego Fusaro destaca o processo de financeirização da economia capitalista nas últimas décadas, tema complexo e altamente técnico que tratarei aqui muito brevemente. Segundo ele, a partir da década de 1980 o capitalismo começa a ser dominado pela financeirização. Hoje, o motor central do novo modo de produção capitalista é o mercado financeiro. A financeirização da economia capitalista não é um desvio e uma anomalia deste sistema, mas a realização de sua lógica de desenvolvimento, de modo que, resumidamente, pode-se afirmar que a criação de dinheiro por meio de dinheiro está substituindo o lugar da produção de mercadorias por meio de mercadorias.


O capitalismo baseia-se em uma visão do homem e da sociedade de matizes individualistas, utilitárias, e em uma lógica do ilimitado; em uma extensão infinita dos imperativos do mercado que procura se autofundar e colonizar todas as dimensões da vida humana.


A economia sem travas e o grande capital sem regras que limitem a avareza e a cobiça dos homens são forças essencialmente corrosivas e desintegradoras. Destruindo aos poucos, e com argúcia e sedução psicótica, o equilíbrio mental e social, as relações intersubjetivas, o senso de comunidade e o ambiente natural. A ausência de medida e o excesso caracterizam o turbocapitalismo global de nossa era econômica, tecnocrática e cibernética.


A economia puramente econômica é a força mais subversiva da vida social. Sem a presença residual dos valores “pré-modernos”, tradicionais, as modernas sociedades liberais de mercado do ocidente já estariam em um estado de colapso total.




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